segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Amor

Jovem se defendendo de Eros (William Adolphe Bouguereau)

Sermão de Padre Antônio Vieira - O Amor

Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacó, nunca chega à idade de uso da razão. Usar de razão e amar são duas coisas que não se juntam. A alma de um menino, que vem a ser? Uma vontade com afetos e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor quando conquista uma alma; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar, se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o jogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso, os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor é cegar o entendimento, daqui vem que isto que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância; e quantas partes tem de ignorância tantas lhe faltam de amor. Quem ama, por que conhece, é amante: quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem ignorando ofendeu, em rigor não é delinquente; quem ignorando amou, em rigor, não é amante. (§ II)
Quatro ignorâncias podem concorrer em um amante que diminuam muito a perfeição e merecimento do seu amor. Ou porque não se conhecesse a si, ou porque não conhecesse a quem amava, ou porque não conhecesse o amor, ou porque não conhecesse o fim onde há de parar amando. Se não conhecesse a si, talvez empregaria o seu pensamento onde o não havia de pôr, se se conhecera. Se não conhecesse a quem amava, talvez quereria com grandes finezas a quem havia de aborrecer, se o não ignorara. Se não conhecesse o amor, talvez se empenharia cegamente no que não havia de empreender, se o soubera. Se não conhecesse o fim em que havia de parar amando, talvez chegaria a padecer os danos a que não havia de chegar, se os previra. Todas estas ignorâncias que se chamam nos homens, em Cristo foram ciências, e em todas, e cada uma, crescem os quilates de seu extremado amor. Conhecia-se a si, conhecia a quem amava, conhecia o amor, e conhecia o fim onde havia de parar amando. (§ III)

Eros e Psiquê (William Adolphe Bouguereau)

Indivisíveis
O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas.
isto é, que a gente grande achava bobas
como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
a não ser o azul imenso dos olhos dela,
olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
nem no cachorro e no gato da casa,
que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso
e a mesma animal - ou celestial - inocência,
porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos em desejo de estar perto, tão perto
que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
que eles levariam procurando um coisa assim por toda a sua vida...

Mário Quintana, Nova antologia poética, 1983. 







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